Papel, Sistema e Turbulência: subsídios da Escola de Tavistock para o Trabalho de Coaching; Mentoring & Consultoria
Muitas das nossas experiências profissionais, seja no campo de Coaching e Mentoring, seja no campo da Consultoria indicam uma pergunta central dos nossos clientes, a saber: qual é o meu papel?
A pergunta é aberta e traiçoeira, uma vez que sua formulação impede qualquer tipo de resposta. Cada dia que passa, tenho valorizado mais o cuidado com a forma em que certas coisas são expressadas. Ao meu ver, não se trata de preciosismo inócuo mas de estratégia operativa em prol de que movimentos aconteçam na vida de nossos clientes e das Organizações nas quais estão inseridos . ( Aliás, talvez uma de nossas boas contribuições seja a de oferecer recursos para a formulação de perguntas capazes de organizar certos objetivos e certas ignorâncias).
” Qual é o meu papel?” é uma questão que não pode ser explorada sem fazer menção ao fato de que um Papel envolve interfaces, ou seja, só existe um papel porque existe uma pessoa em face de determinado Sistema. Estudiosos da Escola de Tavistock têm se debruçado com afinco em questões dessa natureza. Compartilhamos uma imagem que muito tem nos ajudado em nossas intervenções:
O estado da arte do Exercício de um dado Papel exige um profundo domínio de qual o Propósito de um dado Sistema, de qual o Contexto vigente e de si próprio. Nenhum Papel pode ser coisa escrita em pedra, dado que Sistemas, Contextos e Pessoas são “entidades” mutáveis e complexas. O diagrama acima apresentado pode induzir a um erro, e, portanto, cabe um esclarecimento: O Propósito de um Sistema nem sempre é claro e cristalino. Ao contrário, com frequência é obscuro, ambíguo e confuso. Para dar um exemplo, recentemente conversei com um grupo de colegas consultores com os quais compartilhamos experiências. Um deles comentou que o seu projeto enfrentava barreiras e percalços uma vez que destinava-se a uma faculdade cuja ” Primary Task” parecia difusa ( ora privilegiava-se a essência da Universidade como a capacidade de Produzir o ” novo” – Pesquisa e Conhecimento; ora como a capacidade de atrair alunos e transmitir conhecimentos).
O quadro é extremamente Complexo em Organizações Familiares pois existem variados Sistemas, com propósitos diversos que convivem, atritam e se inter-relacionam. O sistema cujo propósito é o Desempenho e a Performance que corresponde à Empresa; o sistema cujo propósito tem a ver com a Gestão de um Patrimônio/ Riqueza que corresponde à dimensão de Sócio/ Proprietário; o sistema cujo propósito diz respeito à dimensão afetiva, de pertencimento e relacional que permeia uma Família.
É lugar comum comentar a importância de exercer Papeis adequados na Empresa Familiar. Creio que o desafio é simplificado nessa afirmação, pois a adequação de um Papel ( de acordo com a Matriz Conceitual de Tavistock) envolve estar à serviço da Primary task. O exercício de um Papel Adequado de acordo com essa premissa, exige uma fina leitura de qual a Primary Task a ser privilegiada em cada momento e o porquê isso acontece. Claro que boas Práticas de Governança auxiliam no desenho de fóruns específicos para endereçar questões relativas aos múltiplos Sistemas. No entanto, também podem se converter em Ritual ” defensivo” no qual decisões não são tomadas e a capacidade de pensar e atuar dos atores envolvidos desidrata-se . Em outras palavras , se Cazuza disse : ” eu vou pagar a conta do analista para nunca mais ter que saber quem eu sou” , podemos sugerir nesses casos: ” eu vou pagar a conta do consultor e seguir o Script traçado para deixar a Empresa como está e nada ver”.
Por volta da década de 70, a Escola de Tavistock ( Eric Trist é um dos expoentes desse movimento) empreendeu um esforço significativo em pensar e descrever os efeitos da turbulência como ingrediente indissociável de qualquer lente disposta a trabalhar nesse campo. Se é vital conhecermos o nosso contexto, é impossível não levar em conta o fato de que há outros parâmetros de incertezas; velocidades; tecnologias; disrupções e transformações em curso. Essa contribuição é relevante ao permitir repensar as formas de apreender e situar a ” Primary task” . A imagem de Bauman e da Modernidade Líquida também é preciosa nesse sentido.
Aponto esse percurso porque talvez o Exercício adequado de um Papel na atualidade signifique uma aderência e conforto em não saber parcialmente qual é o papel adequado a ser exercido. Pode soar estranho, negligente e contraditório. Não se trata de uma resignação estática, mas de um alinhamento profundo com o fato de que a ” Primary Task” também pode ter feições ” líquidas” : um mundo em Turbulência exige uma alta capacidade de adaptação e de abraçar incertezas. Não saber exatamente qual o papel a ser exercido pode ser a maneira de melhor servir a um sistema: permitir o seu devir futuro e uma nova reconfiguração. É por isso que significativo esforço tem sido realizado em pensar não apenas acerca da ” Primary Task” mas também do ” Primary Risk”.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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