“Na família somos um eu-mesmo
esparramado e complexo”
— Beatriz Bracher, “Antônio”
Eu gostaria de agradecer muito o convite para compartilhar algumas ideias no contexto dessa iniciativa tão especial que é a da Escola F e o inovador Programa Conselheiro F.
A consigna que me foi oferecida foi a de tecer algumas considerações sobre algumas questões emergentes no decorrer do programa. Iniciarei meus comentários fazendo menção a um pensador francês de quem gosto muito, Maurice Blanchot. Ele diz: “ As respostas são a má sorte das perguntas”. Não se trata de uma esquiva elegante à tarefa que me foi proposta. Retomo Blanchot porque me parece que a sua construção é preciosa para um Conselheiro/ Conselheira de Família: o conforto em sustentar perguntas. A arte de não precipitar conclusões e respostas. A paciência. A condição de atribuir a um Conselho inquieto e questionador o estatuto de produtivo e operativo. Parece simples feito, mas não o é…
O Programa parece ter forjado uma experiência interessante de formação pela natureza das reflexões apontadas. É isso mesmo: a governança familiar implica muita responsabilidade e é bastante exigente. A textura dessa exigência envolve muitas camadas. A intimidade com a literatura e conhecimentos sobre o tema; a entrega para ser guardião dessa Cultura de comunicação e transparência; a disciplina com a coordenação dos detalhes; a sabedoria para enfrentar temas sensíveis e/ou difíceis. Cito um exemplo: determinada Família Empresária decidiu por ter um fundo de Investimentos para o desenvolvimento de seus sócios acionistas familiares. Um deles pleiteou recursos desse fundo para um curso de gastronomia. A quantia era irrisória perto de outros investimentos anteriormente concedidos a outros membros. Não “ custava” nada acatar esse pedido. Por outro lado, em que medida um curso de gastronomia era coerente com a ideia estabelecido pelo Grupo acerca do desenvolvimento de um sócio acionista? (O negócio em questão não se relacionava com o ramo gastronômico). O caminho mais fácil era o de prontamente atender ao pedido, evitar frustrações. O caminho mais sábio era o de sustentar um processo rico de deliberação e debate. A riqueza desse processo não consistiu em definir a resposta “ sim” ou “ não”; mas na sólida apreensão coletiva dos valores e motivos que justificariam uma resposta afirmativa ou negativa. (Como Modelo desse papel indico muito o Filme na versão antiga – 12 Homens e 1 Sentença. Henry Fonda exerceria esse lúcido papel de “ Conselheiro” capaz de estimular o debate saudável e construtivo no grupo. Claro que atravessa muitos desafios e hostilidades nesse caminho).
Aliás, vale lembrar que a origem etimológica da Palavra Conselho segundo o dicionário Houaiss é a seguinte: “lugar onde se delibera, assembleia deliberativa, moderação, voto, parecer”. Ser Conselheiro, portanto, não se trata apenas de um “ fazer” determinadas atividades. Trata-se fundamentalmente de ser guardião de um Lugar no qual se faz exercício sistemático forjar e fortalecer a cultura de Governança Familiar própria e autoral.
Ora, a pergunta subsequente é muito lúcida: ser conselheiro/a – afinal: por quê? Essa questão me inspira duas considerações. A primeira é um possível desdobramento dessa pergunta: seria possível terceirizar essa função para Consultores/ agentes Externos? Na minha leitura essa é uma expectativa que pode estar muito presente. No entanto, seria impossível atende-la. Isso não significa que a ajuda de Consultores não possa ser extremamente útil e preciosa. Justamente no sentido de convidar os atores da Família Empresária a protagonizar essa singular Construção. Afinal: é o seu risco, é a sua história, é o seu patrimônio, é a sua família… A segunda consideração é a seguinte: quais os riscos e consequência de não assumir esse papel de Conselheiro/ Conselheira? Se ser Conselheiro /Conselheira envolve um árduo caminho, qual a paisagem quando a escolha implica em não fazer esse investimento? A Família Empresária acaba por ter menos recursos e estrutura para enfrentar as complexidades do seu devir no tempo…
Devo dizer que na minha experiência trabalhando nesse campo a escolha de ser Conselheiro da Família é repleta de dores e delícias. Não deixa de ser uma entrega que requer certa fé. Muitos podem não ver sentido. Em muitos casos há um nítido desprezo por esse esforço. A delícia dessa caminhada é a oportunidade de uma enorme realização e amadurecimento. De liderar algo no qual se acredita apesar de todas as adversidades. É ingênuo imaginar que todos vão abraçar calorosamente uma trajetória que mexe em pontos tão nevrálgicos (estruturas de poder; regras que circunscrevem certos limites; novas lideranças e vozes, etc. etc.). Se as resistências e oposições são encaradas como etapas do processo (ao invés de evidências de que a sua falência é certa) abre-se um campo de possibilidade de manejo.
Não nos esqueçamos de que esse grupo já conta com um enorme capital: a experiência de ter se lançado em um Programa desse tipo. Muito obrigada.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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