Recentemente conversávamos com um cliente sobre a sua Empresa Familiar. Trata-se de uma organização sui generis, que no decorrer da sua história diversificou de modo bastante único a sua oferta de valor. ” Os nossos produtos e serviços correspondem a expertises tão distintas e atendem segmentos tão plurais que teríamos dificuldade de vender o nosso grupo. Felizmente temos um plano de sucessão com atores na nova geração bem-formados e dispostos a se integrar no desafio de continuidade da Empresa“. ( A afirmação também suscita reflexões: em que medida as Famílias Empresárias cogitam a alternativa da venda no repertório de suas escolhas? Qual a correspondência de certos paradigmas com a realidade do Mercado? ).
A capacidade de criar um arranjo muito singular é uma das marcas das Organizações Familiares. Em outro texto aqui, já compartilhamos o exemplo da Empresa Zegna. Lembro-me que ao estudar o caso no IMD, ouvíamos os seguintes depoimentos: ” No percurso das transformações do Grupo Zegna muitos consultores foram absolutamente contrários à visão estratégica traçada. Defendiam que seria muito difícil gerir com excelência e integralmente a complexa cadeia ( da fiação ao varejo) arquitetada. Benchmark para tal empreitada não existia“. Apesar dessas objeções, a Família Empresária adotou esse caminho. Fez o que até então não havia sido feito – o que traduz, nesse caso, a condição de vislumbrar uma Visão de êxito: a segurança em sustentar essa escolha e arcar com esses riscos. Evidentemente, inúmeros foram os percalços e perdas ( como o fechamento do parque fabril estabelecido na Grécia em 1975). Nessa trajetória, vale sublinhar também o papel de Marco Vitale – a figura externa capaz de preservar a capacidade do grupo familiar pensar e integrar sinergias: ” I was the facilitator between the generations.When discussions became difficult, I urged the younger ones to take courage and speak up. Indeed it was sometimes intimidating to follow and wanting to add something to the intensive and heated discussions between the fathers. But I defended the sons when I felt they were right and over time the situation became more balanced. As an outsider, I could take some of the emotions out of the discussion and bring them to a rational base“.
O esforço de pesquisar casos de Famílias Empresárias brasileiras capazes de estabelecer um arranjo singular tem sido um compromisso importante nesses últimos tempos. É mais fácil a familiaridade com a trajetória de grandes grupos como a Votorantim ( inclusive já premiada pelo IMD). Dar visibilidade às pequenas e médias organizações que também empreenderam formidável caminho é trilha gratificante. Nesse ano tive a oportunidade de conhecer um pouco da história da Empresa Líder Interiores. Seu fundador, João da Mata Nogueira morreu esse ano aos 92 anos. O negócio começou como uma pequena marcenaria no Carmo do Cajuru, em Minas Gerais. A brilhante pesquisadora Ethel Leon nos oferece a sua valiosa leitura sobre o empreendimento:
“A fábrica é um parque de diversões para designers. Tem CNCs operando ao lado de artesãos que trabalham com goivas esculpindo espaldares de cadeiras. Fabrica a própria espuma, tem ateliê têxtil. Um espanto ver esta indústria na cidade de Carmo de Cajuru, com mais de 800 funcionário(são cerca de 1350 ao todo, contando com o aparato comercial das lojas).
Seus proprietários são a família Nogueira, agora na terceira geração. Gentis, atenciosos, atualizados. Perceberam há alguns anos que deveriam renovar a empresa e chamaram o Estúdio Nada se Leva para esta tarefa. O resultado é a constante encomenda a designers para as diferentes linhas de móveis. Fui convocada na minha área específica – história do design – para debater a coleção de 2018, que se baseou em alguns modernos brasileiros, entre eles os menos conhecidxs Aída Boal e Bernardo Figueiredo.
Tentei entender o design de móveis não como filho bastardo da arquitetura, como muitas vezes é explicado, mas como agente e resultado das transformações do Brasil do pós-II Guerra Mundial, em que a arquitetura teve tanta importância quanto a indústria automobilística, a bossa nova, rock e a nova culinária. É lindo ver uma empresa como esta, que já dura 70 anos, e que tem compromissos de longo prazo. Muito diferente de tanto que vemos de mentalidade industrial, para quem o design é mera representação de marca e não contato direto com o chamado chão de fábrica.
Depois da maratona de palestras, voltou a enorme vontade de que fosse realizada pesquisa específica sobre design nas empresas brasileiras. Esta é uma carência terrível, buraco em nosso conhecimento, que só pode ser levado a cabo por esquipe interdisciplinar. Mas este é assunto para outro momento”.
Tal como a Família Zegna, observa-se na obra da Líder Interiores a capacidade de assumir arrojados riscos, a construção de uma expertise compartilhada entre gerações que se mantém e renova no decorrer do tempo. Muito além de noções divulgadas como peças de Marketing, “Propósito” e “Impacto social” são marcas que se cristalizam na prática diária dessas empresas com alma. Há ainda um campo vasto de pesquisa sobre o tema.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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