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Mudanças bem-vindas

Organizações que temem mudar raramente sobrevivem à dinâmica do mercado.

 

Em algum momento da evolução humana, a ideia de mudança recebeu uma conotação negativa. Como se mudar necessariamente resultasse em situações desagradáveis, desafios intransponíveis e batalhas inesperadas.

 

Há quem, no entanto, pense de forma completamente oposta. Para o doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo e sócio diretor do Instituto Lisondo, Héctor Rafael Lisondo, a mudança deve comportar um caráter positivo, pois é inerente ao ser humano e também às empresas de forma geral.

 

Em seu livro “Mudança sem Catástrofe ou Catástrofe sem Mudanças – Liderando Pessoas Para o Processo de Mudança” (Casa do Psicólogo, disponível para download no site do Instituto), o especialista ressalta que as empresas parecem estar compelidas a um processo de contínua transformação.

 

“Em permanente busca de resultados, seja de expansão, para cumprir uma missão social, ou até mesmo de sobrevivência, para elas a estagnação equivale, obviamente, a sucumbir. Mudanças e adaptações contínuas e inevitáveis estão sempre surgindo, e continuarão a irromper, como respostas às solicitações inexoráveis do ambiente, não há outra alternativa. Por isso, as organizações têm de ser dinâmicas e, como os seres vivos, atuantes, transitórias, imprevisíveis, em constante evolução, nunca chegando a um estado definitivo. A mudança é o combustível da evolução humana individual e institucional”, escreve Lisondo, em seu livro.

 

Em parte graças à conotação negativa adquirida pela ideia de “mudar”, as transformações costumam gerar uma série de inquietações no ambiente de companhias com estruturas distintas. Pare para pensar naqueles cenários de mudança de algum dos sistemas de gestão da empresa. Ou então em um momento de alteração no quadro diretivo da companhia. Boa parte dos funcionários costuma reagir de maneira quase irracional a esses momentos, tamanha a ansiedade e a angústia pelo o que poderá ser gerado pelas ondas de transformação.

 

Lisondo se refere a uma mudança catastrófica, pois, para ele, esse tipo de alteração provoca desenvolvimento e uma catástrofe. Para tanto, o especialista cita o trabalho de Wilfred Bion, destacado psicanalista inglês cujas pesquisas contribuíram de forma significativa para a compreensão do complexo processo do pensamento.

 

“Para denotar a marcha da evolução mental, Bion cunhou a expressão mudança catastrófica, mas não a identificou fatalmente a uma catástrofe na acepção que damos ao termo. Ao contrário, afirmou que, quando o indivíduo é capaz de transformar-se, a mudança catastrófica produz desenvolvimento e não uma catástrofe. O resultado da sua ocorrência poderia ser resumido na expressão: dar-se conta”, completa o autor.

 

Dar-se conta, conforme explica Lisondo, significa o que hoje chamamos de “insight”. É a partir dos insights que ingressamos no que o autor chama de mudança catastrófica. “Por exemplo: um dia você descobre que a sua qualidade de vida na empresa ou na família tem muito mais a ver com as suas escolhas do que com as condições externas do seu entorno; ou que o lugar que hoje você ocupa é mais a consequência das decisões que tomou algum tempo atrás do que a obra de um destino indiferente e/ou fatal; talvez, você se depare com a percepção de que as coisas que não consegue estão mais vinculadas às suas limitações do que ao rigor da vida ou, todavia, que você não sabe ainda qual o seu futuro preferido, e muitos outros insights que poderiam lhe revelar aspectos importantes da sua vida”, escreve.

 

Esses insights serão considerados mudanças catastróficas se não ficarem limitados ao plano sensitivo ou racional. Ou seja, devem provocar uma mobilização emocional, que resulte em sentimentos como perplexidade, frustração, dor, tristeza, alegria, orgulho, raiva, culpa, dentre outros. É como se a mudança catastrófica fizesse o indivíduo romper com conhecimentos prévios que, até então, faziam todo sentido. Propõe-se, portanto, ser leal às buscas e indagações, e não às soluções, conforme explica o especialista.

 

A conotação negativa pode ser verificada também quanto à palavra catástrofe. Com origem na Grécia clássica, a palavra remonta ao antigo teatro grego. À época, o coro descrevia previamente em seu canto a cena em que os atores, posteriormente, protagonizavam seus papéis. Esse canto se chamava estrofe. Se uma nova cena fosse apresentada ao público, o coro deveria retornar e entoar uma nova estrofe, ou catástrofe. Assim, explica Lisondo, nossa civilização passou a associar a palavra a desastres ou grandes desgraças. No entanto, explica, a mudança de cena não necessariamente tem de conduzir ao desastre.

 

“Pode também gerar crescimento para as organizações com sistemas e para os indivíduos como pessoas. Isso depende da capacidade de ambas as entidades de mudarem a maneira de pensar e adaptarem-se às novas exigências do meio. Isso nem sempre é fácil, mas também não é impossível, nem fatal”, completa.

 

Essa percepção dúbia sobre a mudança está relacionada também à própria interação entre emoção e razão no ser humano. Lisondo explica que os vínculos que as pessoas constroem com suas organizações de trabalho lhes inspiram sentimentos animadores, e também frustrantes.

 

“Você deve ter percebido ocasiões em que a empresa é sentida como fonte de oportunidades para realização e orgulho, de ensejo de contribuição para uma missão, de comunhão com uma visão de progresso, de espaço para o crescimento e desenvolvimento de potenciais pessoais, de aumento da autoestima, de amparo para a solidão, de proteção para o risco da vida, esperança de sentido, de integração a um grupo etc. Mas deve lembrar-se também de momentos em que é vista como uma entidade temível, invasiva, ameaçadora, insensível, cruel, desleal, exigente, inexorável, um monólito, uma prisão, um circo, um manicômio, uma selva em que só sobrevivem os mais fortes etc. Não é raro observar numa só pessoa posturas em extremos opostos dessa escala, dependendo do momento e circunstâncias que viva na organização e, até com frequência, abrigando os sentimentos opostos simultaneamente”, explica o especialista.

 

O desafio nesse caso é entender que a empresa como instituição não é, substancialmente, nem boa nem má. De acordo com Lisondo, os eventos e vivências do cotidiano da empresa evocados no sistema emocional individual podem provocar impactos que levam as pessoas a transferir à imagem da organização a responsabilidade por sua felicidade e/ou sofrimento.

 

Em seu livro, Lisondo questiona se as empresas teriam a capacidade de inspirar uma confiança capaz de compensar o vazio e a insegurança que as pessoas muitas vezes sentem em si próprias. Questiona ainda se as empresas deveriam assumir deliberadamente um modelo mítico capaz de suprir as carências afetivas, de realização, autoestima e identificação de cada um.

 

“Essas questões têm muita relevância no resultado concreto da organização, porque delas dependem as iniciativas, motivação, disposição, criatividade dos seus integrantes. Eu creio, porém, que a empresa nunca poderá responder unilateralmente a essas indagações. Quiçá as respostas possam ser construídas por cada pessoa, individualmente, se ela for capaz de mudar os seus modelos mentais clássicos de onde ela se coloca para enxergar a organização e a partir dos quais desenvolve os seus vínculos afetivos e cognitivos com ela”, complementa.

 

Em sua obra, o especialista destaca também a acepção da palavra mudança no mundo físico e no mental. Enquanto no primeiro, a mudança se concentra na reorganização da matéria ou dos sistemas, na segunda essas mudanças mobilizam emoções. “Referem-se ao abandono de paradigmas, da maneira como vemos a realidade, explicamos o mundo, afirmamos os nossos papéis e sustentamos a nossa identidade, a nossa autoimagem. Crenças enraizadas que construímos num processo sofrido e que nos permitem acalentar a esperança de algum controle e/ou equilíbrio ante os embates da vida e alguma segurança frente às ameaças e incertezas da existência”, completa.

 

Segundo o especialista, é por isso que nos agarramos tão fortemente a essas concepções, evitando a mudança propriamente dita. Para preservar esses pontos de apoio, nosso sistema mental fará de tudo, até mesmo negar e/ou distorcer a realidade externa que traz a evidência da mudança.

 

Um dos papeis do líder está em justamente compreender que, quando mais as pessoas se sentirem ameaçadas, desamparadas e vulneráveis, mais irão resistir às mudanças, agarrando-se às suas concepções. Nesse cenário, irão necessitar cada vez mais da relação com seu líder como indivíduo que lhes inspira confiança. O abandono a essas antigas crenças – que impedem o estabelecimento de mudanças – depende necessariamente da confiança gerada pelo líder.

 

“No contexto organizacional, as consequências das resistências à mudança são claras e reais, embora quantificá-las pareça utópico. Perdas visíveis de altos custos, como acidentes, quebras de equipamentos, refugos, devoluções, reclamações etc., e perdas intangíveis − e talvez de muito maior monta −, como a inibição do pensamento criativo, de iniciativas individuais, descrédito da organização, perda de clientes, de competitividade etc., são consequências que testemunham a sua adversidade”, explica o especialista, que ajuda a identificar também a forma como as resistências e seus fatores causais se manifestam em todos os níveis das organizações.

 

“Pouca confiança nas pessoas – que são vistas como recursos humanos -, atitudes autoritárias, ansiedade por resultados imediatos, temor da alta e média gerência de perder o poder, pouca credibilidade da média gerência na alta administração e nos próprios colaboradores, improvisação na escolha de equipes e formação de grupos, demora na implantação de propostas, programas de melhorias vistos como uma sobrecarga ao já excessivo trabalho atual, delegação da responsabilidade pela execução dos programas aos níveis inferiores, crença de que os programas podem permanecer sem contínua promoção, superficialidade na compreensão de conceitos transcendentes como o da Qualidade Total, etc.”, complementa. Vale a leitura e, principalmente, a reflexão.

 

Fonte: (revista Mercado Automotivo)
Thassio Borges, jornalista. 

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