A realidade da pandemia nos apresenta uma realidade incontornável: os efeitos de uma crise que perpassa múltiplas camadas ( sociais, sanitárias, econômicas, ambientais, etc.). As empresas familiares ( como as não familiares), evidentemente, são profundamente impactadas nesse momento. Um circuito pautado em certa previsibilidade em torno de faturamento; recursos de fluxo de caixa e resultados é erodido abruptamente em muitos casos. A máxima ” a conta não fecha” ganha veemência. Escolhas precisam ser feitas em um contexto de incerteza.
Nesse cenário, lidamos com uma dimensão objetiva que não se dissocia de uma dimensão simbólica: o dinheiro e seus sentidos. O que se mobiliza em uma família empresária frente à circulação/ restrição desse signo está longe de se tratar exclusivamente de uma questão financeira.
Vale lembrar que o dinheiro em si mesmo é um símbolo, uma ficção acordada coletivamente que confere à condição humana uma modalidade de existência muito particular . Harari explora o tema nas suas obras. ( No vídeo para o TED ” Why humans run the world” também pode ser conferida uma síntese dessas ideias).
Em novembro de 2019, o jornal ” The New York Times” publicou um artigo de Kerry Hannon denominado: ” How to Talk About the Family Money”. O texto salienta como é comum que o tema vire tabu. Também realça: “ Fighting over the family assets is usually about far more than that. Money is often how we keep a tally of love, approval and fairness”.
Evidentemente que a realidade da crise econômica atravessa e perpassa a experiência de todos nós nesse momento em maior ou menor magnitude. Aqui nos interessa pensar: como esse acontecimento incide nos atores das famílias empresárias? Ora, se o tema do dinheiro e de sua circulação, alocação, distribuição é delicado e muitas vezes confuso, qual não será o desafio de agenciar as decisões que lhe são correlatas nesse momento? Fato é: uma equação que já não era trivial passa a ser a de uma exponencial mais complexa.
A abordagem psicodinâmica nos convida a observar esses acontecimentos a partir de uma lente que privilegia a realidade do inconsciente. Se determinada família empresária adota um jeito confuso de lidar com o seu dinheiro ( por exemplo: uma política de distribuição de resultados cujos critérios nunca ficam claros) a pergunta que deveríamos nos fazer é: a que serve tal confusão? É mais útil sustentar essa hipótese e nomeá-la oportunamente ( aliás, ao meu ver, um dos traços que caracteriza o ” estado da arte” das consultorias é a sensibilidade para captar o timing preciso) do que apressar-se a transmitir uma cartilha de ” Boas práticas de governança corporativa”.
Novamente, realçamos que a relação com o dinheiro é também a relação com aquilo que o mesmo simboliza. Enriquez ( 1990) é um autor que grifa o efeito radical dessa marca nas sociedades modernas: “ Só nos tornamos homens ao criar dinheiro e favorecer o aparecimento de novas riquezas ( …) O sagrado transcendente cede seu lugar a um sagrado profano: o dinheiro”. ( p.246).
Uma família empresária às voltas com os desafios vigentes no contexto da pandemia se vê interpelada e mobilizada psiquicamente. As escolhas que forem tomadas ( sejam quais forem) frequentemente são acompanhadas de fantasias como a de um colapso iminente; a de interesses que privilegiem certas visões em detrimento de outras, as de conluios e traições.
Talvez dizer que o dinheiro não é só o dinheiro tenha algo da música de Tom Zé: “Eu Tô te explicando /Prá te confundir/ Eu Tô te confundindo/ Prá te esclarecer” . De todas formas, as famílias empresárias disponíveis para assimilar essa lógica outra têm sido menos ingênuas e mais preparadas para atravessar essas turbulências.
Referências Bibliográficas:
ENRIQUEZ, E. Da Horda ao Estado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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