” Vidas Negras Importam” é a afirmação que ressoa com força no Brasil. Tivemos a honra de ter a contribuição do empresário Maurício Rocha discorrendo sobre o tema.
“Me preparei para uma reunião com um grupo de dez outros empresários, me apresentei como sócio e fundador da empresa e ali estava para responder as questões do projeto. A primeira pergunta que me fizeram foi: você é parente do Pelé? Essa pergunta, exemplo clássico do racismo velado brasileiro, quer uma resposta para questão real: como um negro como você está nesse lugar? A empresa que fundei tem 20 anos, uma centena de funcionários, milhares de clientes e alguns milhões em faturamento, mas a cor da minha pele é notada em todas as interações sociais de minha vida, inclusive as corporativas. Passa pela humilhação da batida policial pelo carro que dirijo, pela indicação de usar o elevador de serviços, ser barrado no hotel 5 estrelas, ser esquecido na recepção das empresas que visito e nos olhares atravessados no restaurante sofisticado, o que desmonta o argumento de que no Brasil existe preconceito de classe e não racismo. Mesmo atendendo os requisitos, meu acesso para jogar tênis em um clube famoso foi negado – com educação – claro. E para além dessas agressões, como qualquer outro empresário tenho que pensar nos clientes, na equipe, nos produtos, no fluxo de caixa e no resultado. Falta à nossa sociedade no conjunto e a cada indivíduo no específico, uma reflexão honesta sobre o racismo, sobre o privilegio branco, e sobre o legado de 400 anos da opressão da escravidão.
Sobre o governo brasileiro ter privilegiado e financiado a vinda de italianos, portugueses, espanhóis, alemães e japoneses que aqui se estabeleceram recebendo terras para a formação das colônias, e ao meu bisavô, um ex escravo, nada ter sido dado sequer a título de reparação, ainda que toda ancestralidade negra fosse a responsável pela riqueza nacional gerada nos ciclos cafeeiro e da cana de açúcar. Os negros foram colocados à margem pela narrativa oficial e alvo de um projeto de extermínio silencioso que ocorre até hoje, enquanto seu conhecimento e saberes foram diminuídos e sua inteligência é seguidamente posta à prova.
A ausência de negros nos espaços de poder e em cargos relevantes nas empresas é a norma.
Os negros estão confinados nos departamentos de manutenção, no pessoal da limpeza, e a tia do café – que sequer tem nome – e isso também é racismo que beneficia os brancos, privilegio que deve ser entendido como efeito do racismo estrutural que dificulta o acesso dos negros a postos de trabalho qualificados. Essa questão precisa ser entendida e debatida pela branquitude.
Em contraposição, muitos brancos ocupam lugar de destaque nas empresas sustentados pelo poder econômico criado através de heranças e privilégios de geração a geração, ainda que possam ser profissionais medíocres. Do ponto de vista de políticas públicas, é preciso lutar pelo acesso da comunidade negra à universidade e aos espaços de cidadania, seja por cotas ou bolsas.
A educação escolar precisa incluir temas relevantes dos personagens, história e cultura negra, e não apenas uma educação euro centrada. Do ponto de vista particular, é importante criar oportunidades no ambiente corporativo. Isso sem cair no mito da propaganda do herói individual, do único negro juiz, médico ou executivo, do vencedor que supera as dificuldades sozinho com esforço, como se isso fosse possível a todos. Ninguém sozinho dá conta de resolver problemas estruturais coletivos. E precisamos acabar com a falácia empresarial da meritocracia que trata como iguais os que tiveram caminhos de vida completamente diferentes.
Como esperar que um jovem advogado negro que estudou toda vida em uma escola pública ineficiente, tenha a mesma bagagem de um jovem advogado branco que estudou em um colégio particular e teve aulas de música, idiomas, natação e que viajou de férias ao exterior? Imagine quem teve mais desafios para concluir a universidade? E quem vai se esforçar mais para aprender mandarim, se for necessário. Em vez de restringirem o olhar para o status atual de um candidato a uma oportunidade de emprego, como seria se os responsáveis olhassem para o percurso de vida desse candidato?
As empresas têm obrigações sociais que ultrapassam o balanço, e políticas de inclusão e diversidade devem ser uma delas, e isso independe da atividade ou porte da empresa. Minha empresa, como exemplo, tem o corpo de lideranças com 40% de negros, e 40% de mulheres, não tivemos nenhuma dificuldade em ter essa diversidade pois a buscamos como requisito, não é acaso. Fazemos isso desde quando tínhamos 3 funcionários, pois esse é um de nossos valores. E se o argumento civilizatório por sí não basta, então considere que empresas com diversidade têm mais empatia dos clientes que se enxergam e isso gera valor, a diversidade traz à reunião ideias que enriquecem produtos, serviços e experiências. E mais que funcionários, a empresa pode ter uma gama de fornecedores e parceiros também negros, aumentando a iniciativa e criando um círculo virtuoso.
Aprender e discutir sobre os desafios do racismo deve ser do interesse de todos, incluindo empresários.
É preciso se incomodar com a ausência de negros em posições de destaque, seja na sua vida, na empresa que trabalha, nas empresas que mantem relacionamento e na escola de seus filhos. O livro Pequeno Manual Antirracista da filósofa Djamila Ribeiro é um caminho. Se você pensa que, como empresário, o racismo não é problema seu, é porque você faz parte do problema.
Mude e passe a fazer parte da solução”.
Mauricio Rocha, consultor e empresário da área de tecnologia da informação. Sócio fundador da NextSoft, empresa com foco em softwares e soluções para automação comercial de lojas e franquias.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
Conheça maisValéria Lisondo
Biblioteca Virtual
Nosso acervo virtual gratuito.