Criatividade, originalidade, são alvos muito almejados no nosso tempo. A originalidade pode ser apreciada como a consequência do trabalho de um grupo criativo. Isso nos convida para meditar sobre o tipo de configuração que um grupo de trabalho quereria, poderia ou deveria assumir e é dessa ótica que compartilho a seguir algumas reflexões.
Para alguns autores, por exemplo Margaret Wheatley, os modelos dos sistemas físicos fechados e/ou abertos poderiam oferecer alguma inspiração sugerindo que, metaforicamente, um grupo se possa configurar como um ou como outro.
Para a física, um sistema fechado é aquele no qual não há intercâmbio de matéria com os meios circundantes; a massa não atravessa os seus limites. Ao contrário, um sistema aberto é aquele através de cujos limites há fluxo de massa entre o sistema e o meio circundante.
Se o grupo se configurasse como sistema físico fechado, da maneira cartesiana, o todo seria descomposto em partes possíveis de estudar para chegar à compreensão de um objetivo já imaginado, e por tanto produzido a partir das constelações de repertórios mentais já instalados e subjacentes nas mentes dos membros do grupo, talvez calcado de modelos externos existentes e que de maneira inconsciente se hospedaram neles, por tanto um desígnio já previamente conhecido. Dentro deste paradigma, prevaleceria a predição, o planejamento e a previsibilidade fundamentados em relações lógicas e modelos que contemplem um número de variáveis para os quais o grupo iria utilizar formas mais ou menos complicadas de análise. A maneira de pensar seria conformada então em variáveis dependentes e independentes. Este modelo oferece certo conforto às nossas mentes formadas e habituadas no raciocínio cartesiano. Traz a tranquilidade que se pode experimentar ao caminhar por sendas conhecidas e, em geral, prometem atingir os objetivos almejados.
Os sistemas abertos são condizentes com as ciências da complexidade. Teoria da relatividade, teoria quântica, teoria do caos e dos fractais.
Na perspectiva quântica, por exemplo, existem primordialmente inter-relações. As partículas são efêmeras, meros estados intermediários na rede de interações. A única ferramenta de pesquisa que os cientistas puderam aplicar nesse mundo foi o estudo probabilístico, mas não é possível nenhuma predição no sentido da física clássica. Esse mundo de inter-relações, rico e complexo, que contempla o acaso, configura também hoje um paradigma já bastante aceito pela visão contemporânea da administração para as organizações e, por tanto, dos grupos. O modelo sugere que elas, como a física quântica, deixem de centrar-se em fatos e dados e, em vez disso, passem a se preocupar com interações entre fatores conhecidos e desconhecidos. A partir desta perspectiva, ninguém existe independentemente das suas relações com os outros. E se pretendermos que o grupo seja original, essa seria uma interessante premissa para consolidar a originalidade (WHEATLEY, 1994)[1].
O pensamento clássico disjuntivo, estruturado em polaridades opostas – como, por exemplo, branco ou preto, sim ou não, atacado ou varejo, qualidade ou quantidade etc. -, é questionado pela visão quântica, e esse insight abre alternativas diferentes para o processo de decisão que desde a ótica cartesiana administrava dilemas. Este outro paradigma sugere enfatizar mais a conjunção “e” do que “ou”, nas expressões tradicionalmente disjuntivas como: qualidade ou quantidade, teoria ou prática, família ou empresa, maturidade ou imaturidade, generalista ou detalhista, realidade ou mito etc. A afirmação de Hamlet: ”To be or not to be” adoptaria a forma: “To be and not to be”
A física quântica sustenta-se no Princípio de Complementaridade, que diz que a matéria se manifesta de duas maneiras: como partícula, localizada em pontos no espaço, ou como onda, energia dispersa num volume finito. Isso representa a unidade expressa como diversidade. Outra lei mestra da física quântica, o Princípio de Incerteza de Heisenberg, diz que se pode medir a posição, fixando assim a partícula, ou estudar o momentum, fixando a onda, mas jamais se poderá medir ambas simultaneamente. Um revés para a objetividade científica (WHEATLEY, 1994)[2]. Nesse universo relacional, o observador (consultor, professor, líder) não poderia estudar nada separado de si mesmo, porque a sua observação é parte do processo que produz a manifestação que está observando. Na perspectiva da consultoria, isso significa que nenhum planejamento será eficaz se levar em conta apenas os aspectos técnicos, objetivos e metas, maturidade, competência e treinamento do grupo, isso tudo não seria suficiente; a personalidade, a relação com o grupo, a presença – ou ausência – do consultor (ou facilitador, ou líder) também deveriam ser considerados – por ele mesmo, ao planejar -, porque não é um observador neutro.
Se o grupo escolher configurar-se como sistema aberto, ao invés de descrever tarefas, esse grupo deveria facilitar processos, construir e fortalecer os inter-relacionamentos. Se deveria disciplinar para não perder de vista o todo e resistir à tendência cultural cartesiana de apostar o maior esforço na análise das partes, observar qualidades como ritmo, fluxo, direção, forma e esperar que algo útil ocorra – embora, a priori, não seja possível precisar o quê -, se conectando como pessoas e/ou tarefas. Essa visão sugere enfatizar as habilidades para ouvir, comunicar e facilitar o trabalho no grupo, pois são essas as condições que constroem vigorosas inter-relações (WHEATLEY, 1994)[3]. Inter-relações não são visíveis e, portanto, têm pouco crédito no paradigma cultural cartesiano que prefere ver para crer… É assim como, desde a visão das ciências da complexidade, no paradigma dos sistemas abertos, se pode gestar a criatividade e originalidade no grupo.
Claro que esta perspectiva causa ansiedade, a ansiedade do não saber, de se sentir perdido na escuridão da falta de referências, correndo atrás de uma esperança que não se sabe qual será, se alguma vez virá se tornar realidade e nem quando isso poderá acontecer. Mas sim sabemos que a interação entre pessoas de bom potencial cognitivo, que compartem princípios, e constituem uma rede afetiva potente é um campo muito propício para a gestação de ideias criativas. No entanto, é necessária a fé para persistir e não são todos que conseguem. Vem em auxílio para esse desassossego a “capacidade negativa”, expressão que criou o poeta John Keats (1795-1821) e que o psicanalista Wilfred Bion aplicou para o processo do pensamento.
Para Keats, a capacidade negativa indicaria “…o estado no qual uma pessoa é capaz de conviver com incertezas, mistérios, dúvidas, sem uma busca ansiosa de fatos e razão” (GITTINGS, 1970, p. 43, apud FRENCH, R. 2001)[4] Tradução livre.
A leitura dos trabalhos de Robert French, Peter Simpson e David Armstrong, estudiosos da escola de Tavistock, na Grã-Bretanha, me levaram a compreender que a “capacidade negativa” do pensamento indica a capacidade para tolerar a ambiguidade e o paradoxo e, mesmo sem todo o conhecimento almejado, empreender uma caminhada não defensiva em direção à mudança, vencendo o impulso de tomar riscos atabalhoadamente. O que corresponderia a escolher uma solução medíocre em vez de original, como remédio para aliviar a ansiedade. Seria também a capacidade de integrar estados emocionais e racionais sem se dissociar dos aspectos emocionais, sem excluí-los. Capacidade negativa implica a habilidade de aprender, de permitir que a mente seja mudada pelos outros ou pelos fatos. Trabalhar com o impacto emocional de incertezas, mistérios e dúvidas não significa perder o rumo, e sim aceitar que as emoções ofereçam informações válidas sobre a conjuntura dos sistemas (ARMSTRONG, 2000, apud FRENCH, 2001)[5]. Em outras palavras, não sucumbir à tentação de confundir desejo com realidade. É também a capacidade de relativizar a identidade pessoal e as certezas preconcebidas, estando aberto às sensações, às impressões e às mudanças das concepções pessoais.
Na minha opinião, fatores tais como a maturidade, a coragem, a ambição, a tolerância a frustração, a qualidade da relação e a confiança entre os integrantes do grupo, terão influência crucial na adoção da sua configuração como sistema fechado ou aberto. E a liderança também tem tudo a ver com isso.
[1] WHEATLEY, M. J. Leadership and the new science. San Francisco : Berret-Koehler, 1994.
[2] WHEATLEY. M. idem
[3] WHEATLEY, M. idem
[4] FRENCH, R. Negative capability: managing the confusing uncertainties of change. Journal of Organizational Change Management, vol. 14 n. 5, 2001, p. 480-492, MCB University Press, 0953-4814
[5] ARMSTRONG, D. Organization in the mind: psychoanalysis, group relations, and organizational consultancy. London: Karnac, 2005
Héctor Lisondo
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