Infantilização ou transformação em herdeiros, sócios ou acionistas responsáveis?
“Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” – Goethe
A participação de Héctor Lisondo na Mesa redonda promovida pelo Grupo de Estudos de Empresas Familiares – GEEF-FGV estimulou a formulação do seguinte texto:
Talvez a primeira indagação que os pais poderiam fazer a si próprios seria: “Qual é o meu verdadeiro desejo com respeito aos meus filhos e o futuro dos mesmos? Essa é uma pergunta crucial porque os desejos dos pais têm importante influência nas escolhas que os filhos farão depois.
Na nossa experiência, podem se apresentar algumas alternativas para esse desejo ou essa missão paternal, das quais duas são interessantes para esta reflexão:
Na sequência das fases pelas quais passa o desenvolvimento humano, algumas são fundantes e extremamente sensíveis às atitudes paternais e maternais. A evolução compreende etapas como: puerpério, bebê, primeira infância, puberdade, adolescência, juventude, maturidade.
As fases da infância, puberdade e adolescência são cruciais na construção da identidade adulta. Isso quer dizer, a construção de um ser único e idêntico a si próprio, capaz de assumir a sua responsabilidade.
Durante esse período, a criança e adolescente não formou ainda sua identidade e, para conseguir enfrentar os desafios apresentados pelo mundo, a vida e seus questionamentos correlatos, precisa se identificar com o modelo dos pais. Os modelos paternos e maternos, que assumem nessa fase o papel de porto seguro, terão grande influência na estrutura da personalidade adulta.
Segundo estuda a psicologia do desenvolvimento, o papel dos pais deveria se sintonizar com o contexto de cada fase. Por exemplo, na fase infantil é necessário um importante investimento em amor e limites. Os limites são importantes, mas devem ser colocados com sabedoria. O livro do Dr. Luiz Hans “A Arte de Dar Limites” (Editora Paralela, SP, 2015), pode ser uma boa referência.
Na fase da puberdade, onde o sexo desabrocha, o papel dos pais exige investimento em orientação frente ao mistério do corpo que muda e o papel dos hormônios que inspiram impulsos intensos e desconhecidos.
Na fase da adolescência e primeira juventude o investimento se organiza em dar contorno aos princípios, valores, história familiar, experiências transmitidas, lutas, fracassos e conquistas. Esse importante investimento configura a Transmissão Geracional.
E é a partir dessa fase que o jovem começa a descobrir qual o seu desejo: envolver-se com o negócio familiar ou partir para um novo e próprio caminho.
É obvio que esses investimentos exigem tempo, afeto e energia e que a sua falta pode deixar vazios afetivos e de repertório cognitivo na personalidade dos filhos. No entanto, não raro, as demandas do negócio familiar são muito grandes em termos de tempo e energia dos pais, especialmente se são fundadores e os investimentos nas diferentes fases da evolução não recebem toda a dedicação que os filhos necessitariam. Como consequência, fica difícil para eles assumir a responsabilidade pelas suas escolhas. Nesse caso, o caminho mais natural seria seguir o negócio dos pais sem construir, e, portanto, exercer, a sua própria autonomia para escolher. Nesse panorama, os filhos em vez de pensar e optar por si próprios, podem ser absorvidos pela inércia das opções dos pais e/ou ficar reféns dos mitos familiares, confinando a sua existência no ambiente fechado da família.
Se a identidade do jovem ficar pouco resolvida, isso tem efeito negativo no desenvolvimento da sua responsabilidade. Sendo que o exercício desta será crucial para eles quando herdeiros, sócios, acionistas, executivos.
Pode- se entender a responsabilidade como a consequência do desmembramento de dois termos que, na vida como ela é, devem operar em harmonia e complementariedade: Resposta e Habilidade. “Habilidade para escolher a resposta adequada”.
As vezes operam dois pressupostos disfuncionais dos pais na educação dos filhos no contexto da família empreendedora:
É difícil relacionar todas as premissas a respeito do papel dos pais que podem resultar em filhos responsáveis, mas talvez não seja tão difícil mencionar algumas que podem infantilizá-los. Nesse sentido, os jovens podem ser absorvidos por alguns mitos familiares que frequentemente estão presentes na empresa familiar, por exemplo:
Mito da Harmonia: Nesse contexto, os desencontros são reprimidos, não se pode pensar diferente. Através da idealização e da negação, cria-se a ilusão de que reina a paz. As crianças sofrem frente ao dilema porque toda tentativa de diferenciar-se, de encontrar o seu próprio caminho, perturba e ameaça um delicado equilíbrio e pode levar ao desastre. “O mundo é basicamente um lugar perigoso”. O mito traz a sensação de controle desse mundo perigoso.
O mito de Pigmalião e Galateia. Conta o mito que Pigmalião era um hábil escultor que nunca encontrava uma mulher suficientemente adequada às suas expectativas. Todas que conhecia ficavam aquém. Cansado, decidiu fazer uma estátua de uma bela mulher com as características que ele gostaria. Seu desejo foi atendido pela Deusa Atena e a estátua virou mulher, ele ficando dessa vez feliz com a sua criação. O aprendizado desse mito é que ele somente podia amar a sua criação, não permitindo que o/a outro/a pudesse ser diferente. É frequente encontrarmos situações semelhantes nos empreendimentos familiares, onde os pais se identificam com Pigmalião e os filhos com Galateia. Não é permitido aos filhos outra escolha que não seja a reprodução dos modelos dos pais, nos quais são moldados.
Mito do Estereotipo: cada membro da família tem assignado um papel específico. Se certos comportamentos transpassarem as fronteiras desenhadas, uma catástrofe ocorrerá. Não há flexibilidade e nem espaço para tentar algo novo.
Mito do Martírio: Mártires criam a sua identidade ao redor da ideia de que estão constantemente obrigados a fazer coisas contra a sua vontade. Embora disponham de um grande poder, eles afirmam que não têm escolha ou controle. Ex.: O pai, dono ou fundador que diz que não gosta de trabalhar longas horas, mas que o faz para prover a família. Ele não admite que há outros métodos, por exemplo delegar mais. Na realidade ele atua assim porque gosta. Gosta de exercer o controle. Este modelo inspira uma falácia nos filhos.
Mito do Bode Expiatório: Toda a culpa por todos os problemas da companhia é colocada em um dos seus membros (frequentemente um dos filhos). Em lugar de resolver os conflitos entre duas pessoas, estes são transferidos para uma terceira (o bode). O papel do membro “mau” ou “desviado”, é manter o resto da família unido. Surge como uma necessidade de canalizar tensões internas para o qual um membro vulnerável é escolhido pelos seus comportamentos como bode expiatório. Mas essa escolha não é ao acaso. Frequentemente o bode expiatório representa algumas fraquezas de outros membros da família. Por exemplo, a falta de sucesso do pai pode ser abafada exaltando o pobre desempenho na escola de um dos filhos.
Mito do Redentor: Redentor é alguém que assume a figura mítica do auto sacrifício para redimir os semelhantes. A sua imolação será destacada e compensada com a ressurreição e a vida eterna. No manifesto opera como um herói que intercede pela salvação de um outro, mas no latente acaba sendo um mendigo desse outro, que finalmente se posiciona ante ele (o redentor) como um amo ávido e queixoso, impossível de ser satisfeito nas suas intermináveis demandas. O redentor torna-se um enaltecido herói que libertará, mediante o próprio sacrifício, as feridas narcísicas e não cicatrizadas da história dos pais. Feridas infringidas pelo fracasso destes na consecução de objetivos gloriosos. Este mito está relacionado à Transmissão Transgeracional.
Diferente da transmissão geracional, Transmissão Transgeracional é uma carga de frustrações, transgressões, às vezes as reminiscências de uma cripta na qual se escondem segredos inconfessos que podem ocorrer em gerações anteriores e que não são comunicadas verbalmente, mas são captadas pelo inconsciente dos sucessores. Como resultado, aparece uma sobrecarga emocional de culpas e/ou necessidades de reparação, que afeta o relacionamento e a qualidade de vida, assim como a fluidez das decisões.
Podemos afirmar que é difícil para os filhos desenvolver a sua identidade no seio das interrelações que permeiam a empresa familiar.
É oportuno mencionar que, para a psicanálise, o crescimento e a individuação vão depender de um confronto com os pais reais e os internalizados e este confronto pode assumir algumas perspectivas que podem ser destrutivas ou construtivas:
É impossível esgotar tema tão vasto. De todas formas, esperamos que as reflexões anteriores tenham estimulado novas perguntas e vértices. Fica o convite de assistirem o debate da Mesa Redonda na íntegra: Como educar os filhos para serem herdeiros parte 1 – YouTube / Como educar os filhos para serem herdeiros parte 2 – YouTube
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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