É sempre precioso ter acesso ao testemunho de lideranças empresariais sábias para descrever seus percalços, desafios e escolhas. No nosso campo, ainda mais valioso se as mesmas trazem insights sobre os desafios de uma empresa familiar. Por isso recomendamos vivamente a leitura da entrevista com José Roquette.

Dentre os muitos pontos de destaque de seus comentários, selecionamos alguns:

• Uma postura disponível para “desinstalar-se”, como diz o empresário. É bonito como ele associa a cultura de inovação com a capacidade de desalojar-se dos paradigmas conhecidos. Parece algo óbvio, mas José Roquette escolhe realçar esse aspecto. É necessário cultivar uma capacidade de desprendimento para abraçar o “novo”. Uma cultura inquieta e afinada com a importância da inovação é uma cultura pronta para acolhê-la efetivamente ( e não elogiá-la no discurso e rejeitá-la na vida “encarnada” da Organização).
• A paciência para ler que certos fenômenos levam tempo. É necessário “dar tempo ao tempo” sem que isso signifique resignação, mas sensibilidade para captar que ” a história não se apressa“.
• “O campo está ali não para produzir vinho, mas conhecimento“. A convicção de que o negócio não está divorciado de uma íntima relação com a pesquisa, com a ciência. E, portanto, é necessário investir em parcerias, pontes com a universidade e um arranjo capaz de estimular essa virtuosa relação. Vale dizer que hoje o Esporão está entre as 50 marcas mais admiradas do mundo.
• A sua visão de sustentabilidade ao defender o Modo de produção Biológico (MPB) dos vinhos. Claramente essa escolha explicita um compromisso com uma visão de longo prazo e a sensibilidade para captar o perfil do consumidor comprometido com os valores da governança ESG. Segundo Roquette, o cliente estaria disposto a pagar mais por um produto que simboliza a defesa dessas pautas: o respeito e preservação do meio ambiente e da natureza.
• A sua atitude como líder de uma Empresa Familiar. A consciência do desafio: “não está escrito em lado algum que um acionista familiar tenha vocação para ser administrador“. A sua perspicaz visão: “Sabe, eu sei que o desafio estratégico de qualquer empresa, familiar ou não, é encontrar e fixar talento fora do universo familiar“. A sua convicção que a vantagem da Empresa Familiar é a capacidade de não ter um paradigma imediatista: “Como empresa familiar, temos certas vantagens competitivas. E uma delas é a perspectiva intergeracional. Eu tenho a obrigação de olhar para a geração dos meus filhos, dos meus netos e dos meus bisnetos“.

• Roquette oferece o testemunho de acontecimentos políticos em Portugal que afetaram a sua vida e seu negócio. Dá exemplos dos posicionamentos que teve que tomar no decorrer da história e os riscos assumidos como cidadão e empresário: “Fui um promotor de rupturas, mas estive sempre disposto a pagar o preço por isso, porque certas opções têm riscos, como foi o caso do Movimento dos 101 Católicos [figuras públicas que no seguimento do Concílio Vaticano II se manifestaram contra as orientações do Estado Novo]. Foi a forma de dizermos que a condução política do regime não correspondia a uma dimensão de liberdade cívica e dimensão fraterna, no verdadeiro sentido teológico”.