É sempre uma felicidade encontrar filmes que possam dar contornos para as forças emocionais que captamos no nosso trabalho com famílias empresárias. ( O texto a seguir contém spoilers).
Maestro(s) é um filme de Bruno Chiche cuja trama apresenta um pai e um filho brilhantes no ofício que escolheram seguir. A própria noção da escolha é permeada por complexidades quando adotamos o viés da psicanálise: ora- se uma porção do que nos mobiliza corresponde ao mundo do inconsciente, em que medida nossas escolhas são absolutamente voluntárias? Em determinado momento do filme o filho afirma que a sua escolha pela carreira artística musical foi consequência do desejo de proximidade com o pai…
Os mistérios dos circuitos identificatórios que definem que caminhos – escolhas traçamos na vida é tema infinito, inesgotável. Freud fez um esforço de pensar neste enigma de muitas formas, em muitos trabalhos. A seguinte formulação dá pistas para compreender nossa tarefa de historicização – somos ” recrutados” a corresponder aos apelos de uma corrente que nos antecede ao mesmo tempo que convocados pelo presente-futuro de nossa existência.
“O indivíduo tem de fato uma dupla existência, como fim em si mesmo e como elo de uma corrente, à qual serve contra – ou, de todo modo, sem – a sua vontade” (Freud, 1914/2010a, p. 20).
O filho pode ter feito a opção pela mesma carreira do pai em função do desejo de se aproximar deste. É possível ter excelência naquilo que se faz sem se apaixonar pelo ofício que se adota? O filho também se encanta pela música…
Pai e filho são geniais e a gramática da disputa e rivalidade entre ambos é magistralmente representada. A sutileza do brinde difícil no momento de celebrar a conquista de um deles, por exemplo. Toda fratria é povoada de intensidades emocionais e ambiguidades. O pai se orgulha do filho que brilha ao mesmo tempo que se ressente em perder o lugar de destaque absoluto. O filho se alegra com o reconhecimento de sua carreira ao mesmo tempo que hesita assumir o ” seu lugar ao sol”.
O filme é precioso para pensarmos que a arte do nosso trabalho tem a ver com fugir da gramática ” eu ou ele ” / ” eu ou ela” e criar um caminho gradual de composição ” eu e ele ” – ” eu e ela”. Ninguém perde a sua potência e o seu poder afirmativo na vida quando alguém no seu entorno se destaca … quando as coisas são assim experimentadas estamos às voltas com os efeitos de estados primitivos da mente tão lucidamente destrinchados por Melanie Klein. Numa família empresária a incidência dessas forças pode ganhar escalas muito intensas: o prêmio do filho passa a ser visto como ameaça insuportável pelo pai.
O filho consegue ter licença interna para assumir o seu talento quando é ajudado por personagens externos no filme. Daí a pertinência e valor de um olhar estrangeiro nas famílias empresárias: muita inteligência e capacidade podem ser desperdiçadas quando as voltagens emocionais não são cuidadosamente contidas e transformadas.
Aos poucos é possível compor um desenho que faça crescer o palco: há espaço para ambos. Dá muito trabalho. Mas vale à pena.
Referências Bibliográficas:
FREUD, S. (2010a) Sobre o narcisismo. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 12, P. C. de Souza, Trad.). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914).
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
Conheça maisValéria Lisondo
Biblioteca Virtual
Nosso acervo virtual gratuito.