O livro ” O que é meu” de José Henrique Bortoluci não trata especificamente de uma família empresária. Trata do relato de um filho às voltas com a finitude e fragilidade do pai: é o esforço de captar a saga de sua história. De tatear o herdado e o transformado nesta aventura coletiva que não deixa de ser íntima a todos nós: o ” estranho-familiar” que diz respeito às nossas origens e aquilo que traçamos a partir disto.
Penso que obras literárias, filmes e demais “suportes expressivos” são extremamente caros ao dar figurabilidade para temas sensíveis, ” escapadiços”. E mesmo quando estamos diante de uma obra supostamente alheia ao escopo direto de uma empresa familiar, é comum que a leitura ofereça preciosas articulações. Toda família se vê interpelada por contas a pagar, por circunstâncias que determinam uma certa ” paisagem” existencial, pela interface com um determinado contexto histórico em um dado território, pela linhagem geracional que a antecede e sucede. A obra ” O que é meu” faz pensar em todos estes elementos: em como são misteriosos os caminhos que nos levam a nos constituirmos da forma que o fazemos. Sublinha como é falaciosa a ideia de ” self-made man”: ninguém se faz sozinho na vida e destrinchar ” o que é meu” envolve conjugar e reconhecer ” o que é nosso”.
Neste sentido, a leitura da obra é estimulante ao apresentar algo profundamente delicado: a ” dança” da esfera individual e coletiva em uma família. O trabalho que dá discriminar-se e deslocar-se. A intriga constante – ” será que meu pai compreende quem me tornei e o que faço?” / ” será que eu compreendo quem ele é e o que foi a sua história?”.
Nada mais interessante do que fazer a obra falar por si própria. Selecionamos pequenos fragmentos inspiradores para nossa reflexão:
” Levei muito tempo para entender que meu sucesso escolar não era só meu, mas uma espécie de empreendimento familiar”
–
” Nascemos e morremos sós, é certo; porém chegamos ao mundo cercados de cuidados, de gestos, palavras e toques que nos marcam pelo resto da vida. Os cuidadores são a nossa conexão com os contemporâneos e com aqueles que nos antecederam. Nossa história individual se amarra à correnteza das gerações, e aqueles que exercem as funções paterna e materna são a barca na qual navegamos esse rio revolto da história.
A filiação também é o encontro com um segundo fato cardeal: somos seres de linguagem. Herdamos os tesouros e os terrores das palavras dos nossos pais e mães, de parentes mais velhos e daqueles que vivem em seu entorno. Nossa fala é sempre atravessada de ecos e de outros. Falar é trazer os mortos para dançar na festa dos vivos, é reviver o trajeto de gerações passadas e de nossa história de encontros e de perdas.
No início, nossos pais falam por nós, não só para nós. Eles inventam uma voz para palavrear os balbucios do bebê. Depois continuamos a nascer com nossas próprias palavras, que aprendemos com eles, sem eles, ou contra eles. Esse segundo nascimento dura para sempre.
…
Só podemos falar nossa própria língua quando acertamos as contas com a língua de nossos pais.”
Vale a leitura !
Héctor Lisondo
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