A integração sistêmica na família empresária: reflexões a partir de um fragmento de conto de Machado de Assis
Na nossa perspectiva objetos mediadores como filmes, obras literárias, músicas dentre outros “apoios” são importantes aliados para dar textura às complexidades de um arranjo tão denso como é o de uma família empresária. Modelos, representações gráficas, conceitos … todos estes aportes são úteis e fundamentais para oferecer algum contorno e estratégia de intervenção . No entanto, tratam-se disto: modelos. E, portanto, algo sempre escapa. Afinal: o mapa não é o território.
Recorrer à arte pode ser pensado como movimento de abstração escapista pouco sintonizada com os critérios de realidade do mundo empresarial: a pressão por resultados, a tomada de decisões ancorada em visão mercadológica, o árduo trabalho de entregar um produto/ serviço diferenciado, etc. Não compactuamos com tal premissa. Pelo contrário: acreditamos que justamente por descortinar voltagens emocionais; contradições e complexidades de muitas ordens o estatuto do artístico é bússola privilegiada para pensar nosso campo de trabalho e o que está em jogo no desafio de transformação que orienta a contratação de nossos serviços. A família empresária quando nos contrata reconhece que precisa de ajuda e que a manutenção da vida como ela é tal como se apresenta pode colocar em risco muita coisa: não só os resultados da organização mas a possibilidade própria de laços familiares vitalizados que se respeitem e encontrem nas alteridades diversas.
Podemos pensar que uma das coisas mais sofisticadas que uma família empresária tem como tarefa é a de enxergar-se no palco da orquestra, de certa forma. Que cada um encontre a vocação a partir do instrumento com o qual se identifica. Que eventualmente se respeite quem deseja cuidar dos bastidores e da iluminação do palco. Que se assimile que a figura de um maestro que coordena a sintonia do conjunto é fundamental para assegurar a excelência do trabalho de todos. Que há sempre um jogo de horizontalidade e verticalidade – simetria e assimetria : todos são iguais ao mesmo tempo que não são iguais – as funções , responsabilidades, experiências, complexidades envolvidas em cada um dos papéis são distintos. Uma criança é incapaz por si própria de gerir a própria vida: é um drama quando a parentalidade deserta da sua função de autoridade responsável assimétrica.
Conjugar o que é próprio de cada um integrado ao todo é muito difícil. Machado de Assis no conto ” Um apólogo” nos auxilia a iluminar os ímpetos de competição e fragmentação presentes em todos nós. Numa família empresária não é diferente. Reconhecer essa face e transformá-la é a aliança também com a gramática ” dura” empresarial . Um EBITDA do qual o grupo se orgulhe depende da maturidade do conjunto em integrar esforços, reconhecer limites, e respeitar a legitimidade do comando do maestro designado como tal.
O conto traz o diálogo entre uma agulha e uma linha. Revela e dificuldade extrema de cada parte reconhecer que depende da outra. É essa a ” textura” do drama que encontramos em muitas de nossas intervenções com famílias empresárias também.
“Era uma vez uma agulha que disse a um novelo de linha:
– Por que você está com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada para fingir que vale alguma coisa nesse mundo?
…- Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com sua vida e deixe a dos outros.
– Mas você é orgulhosa.
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites da nossa ama quem é que os cose, senão eu?
-… Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados…”
Referência: Machado de Assis – Contos: Um Apólogo. Ed, Aguilar, primeira edição (páginas 537-538).
Observação: A imagem de uma ” Colcha de Retalhos” é cara para o nosso trabalho e já gravamos um episódio de nosso Podcast tratando do pensamento complexo de Edgar Morin a partir dessa metáfora. Episódio 24 de nosso canal de Podcast: Instituto Lisondo Podcast | Podcast on Spotify
Héctor Lisondo
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