“Diversidade e Responsabilidade Social Entrevista com Elizabete Scheibmayr Diretora da Uzoma Diversidade”
“A sua responsabilidade é do tamanho do seu privilégio”. Thalita Gelenske Cunha, idealizadora da Start-Up Blend Edu grifa essa reflexão na seguinte matéria: https://revistapegn.globo.com/Administracao-de-empresas/noticia/2019/04/diversidade-gera-lucro-para-empresas.html.
A circunstância atual nos convida a refletir nesse sentido. Afinal: o que significa pensar em responsabilidade social e diversidade no contexto empresarial brasileiro?
Assistimos nesse momento a intensidade dos protestos que afirmam: “ vidas negras importam”. Um estudo sobre a realidade brasileira coloca a questão em perspectiva: https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/a-cada-23-minutos-um-jovem-negro-morre-no-brasil-diz-onu-ao-lancar-campanha-contra-violencia.ghtml.
Os esforços no sentido de trazer à baila essa discussão no Brasil têm um percurso histórico de longa data marcado por inúmeras figuras, intelectuais e pensadores comprometidos em fazer ver o que significa, de fato, encarnar esse lema: “ vidas negras importam” – e isso interroga a nossa responsabilidade coletiva no sentido não apenas de assegurar o básico direito à vida, mas também ao pleno exercício de suas potencialidades e possibilidades. Milton Santos; Lélia Gonzales; Abdias do Nascimento; Sueli Carneiro; Silvio Almeida; Djamila Ribeiro e Thiago Amparo são algumas das referências que podemos citar entre muitas outras.
Pensamos que trazer à tona o tema da responsabilidade social e da diversidade no mundo empresarial brasileiro passa por compreender, caracterizar e situar a realidade e a história do país. Temos o privilégio de trocar ideias e reflexões nessa direção com a empresária brasileira Elizabete Scheibmayr – Diretora da Uzoma Diversidade, Educação e Cultura.
1) Você poderia nos contar da sua trajetória e do trabalho desenvolvido pela Uzoma?
Minha trajetória nas questões de diversidade começa acho desde que eu nasci, primeiro por que nasci mulher e negra. Poderia estar distante do ativismo, mas sou filha de um homem, que é um dos fundadores do Movimento Negro Unificado, Antonio Leite (vou compartilhar o documento de fundação do MNU, pois precisamos conhecer nossa história, que a questão racial não nasceu com o #Blacklivesmatter#.
A questão racial sempre foi muito discutida na minha família. Morei em um bairro periférico, próxima da minha família e, então quando criança, nunca me via como única; passo a sentir a questão racial na escola. A história dos negros é contada a partir da escravidão e, mesmo numa escola periférica ao ser negra, já se observa um tratamento diferente. As professoras esperam que você termine o ensino fundamental I e vá trabalhar em locais aonde é esperado (empregada doméstica, auxiliar de limpeza, caixa, etc).
Para o meu pai, a educação sempre foi importante, entendeu que a educação é transformadora e, sempre desejou que eu fosse além dele na questão de escolaridade.
Fiz o ensino médio em uma escolar particular, através de bolsa de estudo e muitos sacrifícios. Eu e minhas irmãs eram únicas e não tínhamos a vivência e as condições das demais colegas. Suas histórias eram totalmente diferentes. Cursei matemática na PUC, também, com muito sacrifício, atrasos nas mensalidades, bolsas estudantis, éramos poucos negros. Depois fiz direito na FMU, onde também era a única. Quando fui pedir bolsa na faculdade a fala da diretora era: “se não pode pagar, não deveria estudar”; não se preocupando com o desempenho do aluno.
No último semestre, após um período de voluntariado no Grupo Mulheres do Brasil, eu e minha irmã entendemos qual seria nosso propósito e, e surgiu a UZOMA que significa caminho certo.
As empresas para fazer uma mudança e ser tornarem diversas e inclusivas precisam incorporar esta prática em seu DNA. Se perguntar para qualquer empresa se ela é diversa, ela falará que sim. Mas quando se olha, esta diversidade não é vista. Pode se ver um ou outro negro (em funções não decisórias). A empresa vai afirmar que ela abre as vagas e não há qualquer impedimento da contratação de pessoas negras, só que elas não aparecem.
O trabalho da Uzoma é mudar este mindset e, passar a refletir por que não há diversidade e comprometer-se com esta mudança.
O comprometimento pela mudança não é uma tarefa do RH, contratar um gerente de diversidade, sem que ele tenha capacidade decisória e recursos não traz mudanças.
2) Como você definiria a riqueza trazida por uma empresa diversa? A matéria acima citada com Thalita Gelenske Cunha tem o seguinte título: “A diversidade gera lucro para as empresas”. Na sua leitura, essa riqueza se traduz em lucro? Conseguiria traduzir como isso se verifica na realidade dos seus clientes?
Pesquisas recentes da Mckinsey trazem os seguintes dados:
O que descobrimos
Promover a diversidade no ambiente de trabalho não é apenas uma ação de inclusão. Pesquisas mostram que empresas com ambiente mais diverso também lucram mais. (https://6minutos.com.br/carreira/diversidade-da-lucro-para-empresas-e-aumenta-engajamento-de-funcionarios/)
• O resultado financeiro das empresas com mais diversidade de gênero é 21% maior do que das com menor grau, segundo pesquisa da McKinsey
• Nas companhias com maior diversidade étnica e cultural, o lucro chega a ser 33% maior
• Por isso algumas empresas criaram metas de contratação de pessoal que incluem o quesito diversidade
Apesar dos dados de lucratividade real, precisamos ir além disso. A população negra no Brasil representa 54% e esta população precisa estar representada em todos os espaços. É uma população que consome e, não é representada nas empresas, na mídia, na televisão, etc.
Quando tivermos um país mais justo e mais representativo os ganhos surgirão e, não só os financeiros.
3) O que você teria a dizer para uma empresária/ um empresário que deseja abraçar uma postura de responsabilidade social e compromisso com a diversidade na sua organização?
A primeira coisa que diria é: faça uma análise de como está sua organização, principalmente, nos cargos decisórios. Veja como são os lugares que você frequenta, seu círculo de amigos.
Reflita qual é o país que você vive. Leia sobre a história da escravidão no Brasil. Entenda quais foram os reflexos da escravidão.
Pense qual Brasil você deseja para você e seus filhos. Reflita qual o seu papel para mudar tudo isso.
4) Em determinado momento da matéria com Thalita Gelenske Cunha (acima citada) é realçada a complexidade dos desafios que demandam a integração de forças: (…”É uma tarefa conjunta, envolvendo empresas, governos, a academia, instituições e, inclusive, a sociedade civil”). Você gostaria de comentar esse aspecto?
A tarefa conjunta deve ser feita por todos, mas o principal papel é da sociedade civil. A sociedade civil tem o poder de fazer mudanças e cobrar dos governos, instituições e academias.
5) Quais são os impasses, dificuldades e pontos relevantes que gostaria de destacar nos processos que você tem assistido no sentido de promover a Missão da Uzoma?
A base do racismo e machismo é o poder e o privilégio. As pessoas brancas acreditam que estão perdendo o poder o privilégio quando se trata de diversidade.
Outro ponto, é a educação, precisamos estudar e entender como foi construída e ideia de raça, como anos de história vendo o povo negro como inferior afetam seu julgamento.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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