Em 19/03/21 Héctor Lisondo foi convidado a comentar o tema: ” A Sucessão e o medo de ser esquecido” no ciclo de eventos ” Diálogos F” promovido pela Escola F. Esse convite inspirou o texto a seguir:
A saída do empreendedor devido ao cumprimento do seu ciclo na empresa familiar é, frequentemente, um evento mobilizador, traumático, assustador, que resulta em desassossego. Valendo-me de uma metáfora, imagino uma potente locomotiva que puxou um trem comprido e pesado durante longo tempo por um tortuoso trajeto de ladeiras, vales e montanhas e, de repente, o maquinista percebe que acabaram os trilhos e precisa frear.
Tal situação inspira no empreendedor uma sensação de catástrofe. A palavra “catástrofe” não significa necessariamente desastre. Ela se origina no antigo teatro grego, quando os atores representavam sem cenário[1]. Havia um grupo auxiliar que cantava (descrevia) a cena antes que os atores desempenhassem seus papéis. Tal canto chamava-se “estrofe”. Ao fim de cada cena, o coro reentrava e descrevia a cena que estava para ser apresentada. Essa nova estrofe, ou katastrofe, significava a mudança da cena. Na vida concreta, a mudança de cena resulta tão desconfortável para o aparelho mental que culturalmente associamos a palavra catástrofe às grandes tragédias ou desgraças. Mas a mudança da cena pode ser também uma situação nova que irá resultar em realização e desenvolvimento.
É bastante comum que os sucessores nas famílias empresárias estimulem alguma atividade ou trabalho para ocupar o empreendedor que se retirará da empresa, em uma tentativa de afastar os fantasmas que viriam para assombrá-lo. Tal empenho, no entanto, pode não ser eficaz, porque a nova cena se projeta em uma perspectiva existencial. O a fazer, o empenho em alguma atividade nova e até diferente, não acalma a ansiedade ante o medo de ser esquecido, a solidão e a realidade da morte.
O medo da solidão pode ser percebido pelo empreendedor como uma dura realidade, pois sua história de capitão da empresa o defrontou inevitavelmente com necessidades de exercer poder e autoridade sobre os comandados, por mais justa ou necessária que ela tenha sido, por mais que fosse esse o desejo dos liderados, por mais que disso tenha dependido a sobrevivência da empresa. Pela sua experiência e seu critério de realidade, o empreendedor sabe que dificilmente, ao cessar a relação de autoridade, as pessoas com as quais se relacionou irão acolhê-lo como companheiros na nova fase da caminhada.
Quem sabe, o poder que exerceu no apogeu inspirou-lhe a fantasia de ser diferente dos mortais do seu entorno, alguém a quem a morte não alcançaria sem muita fadiga. É possível que ante a nova realidade ele se surpreenda ao constatar que a questão da morte, abafada pelo fragor da batalha durante a vida executiva, emerja agora como nítida e dura realidade que o iguala aos outros. Possivelmente foi cativo da ilusão inconsciente de que não pensar na morte podia deter o tempo e evitar a deterioração do corpo que deu a rica energia dos seus melhores anos à empresa. Frequentemente, nessa trajetória de locomotiva pujante, se postergam e sacrificam várias outras alternativas de relacionamento — família, amigos, inquietações culturais, artísticas, civilidade, questões sociais, literárias etc.
É como se, nesse fim de trilhos, o sentido que se centrava durante tantos anos na condução da empresa se esvaísse e deixasse a vida sem nexo, ao sabor da morte. Nesse momento o líder compreende que, além do evento físico da finitude, ele tem a oportunidade de prolongar a vida na memória dos outros.
Agora, antes do a fazer, ele terá de se preocupar em construir um novo ser, encontrar um novo sentido para sua vida, ressignificar seus relacionamentos e descobrir o seu desejopara esta fase da existência. O novo a fazer deverá surgir em consequência do novo sentido que ele deverá descobrir.
De maneira condizente com essas reflexões, testemunhamos no nosso tempo vários empreendedores que, depois de se retirar, se envolvem em empreendimentos filantrópicos, possivelmente com o intuito de não serem esquecidos. Somente a relação autêntica e humana com o outro é capaz de neutralizar o fantasma da solidão e do esquecimento.
Não é, em absoluto, um momento fácil. Pelo contrário, é muito mobilizador e desolador. O empresário pode se sentir como se tivesse de começar de novo, exigido a repetir a epopeia com que pautou sua vida.
No entanto, esse momento penoso, em que a mobilização emocional se assemelha a um abismo existencial, pode ser amenizado com ajuda de um processo de coaching ou de terapia que dê conta dessa realidade e o apoie na busca de seu verdadeiro desejo e motivo para burilar o novo ser. Um diálogo empático, competente, respeitoso quanto à privacidade e capaz de captar a realidade existencial certamente o ajudará a abreviar o tempo de desorganização e falta de rumo que frequentemente acompanha o fim dos trilhos. Pode surgir disso a oportunidade para canalizar o aprendizado da experiência vivida e prospectar outras novas e ricas alternativas de relacionamento, agregação de valor e realização pessoal. Pode emergir dessa maneira um novo significado para sua vida, fazendo produtivo o tempo que ainda lhe é concedido. E então, o novo a fazer enriquecerá a existência e poderá dissipar o medo de ser esquecido.
Para conferir o vídeo completo do “Diálogos F: A sucessão e o medo de ser esquecido”, basta acessar o seguinte link.
[1] REZENDE, A.M. Bion e o futuro da Psicanálise. Campinas: Papirus, 1993.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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