O personagem Federico Mayol, protagonista da obra: “A Viagem Vertical” de Enrique Vila-Matas narra o seu colapso. E a sua quebra não tem nada a ver com a exitosa empresa de seguros que fundou. O negócio segue pujante. É Federico que mergulha profundamente no devir da sua existência, e, logra assim, questionar as instituições que lhe davam guarida: o casamento, a família, a empresa, a sua atuação política… quando mesmo tais situações se tornaram palcos desvitalizados de sentido é a pergunta que não cessa de se apresentar.
O colapso não diz apenas de uma realidade financeira. É um dos recados do livro para quem trabalha e/ou estuda organizações familiares. Como pensar em outras pistas e sinais que atestem a ” vivacidade” de um negócio?
O livro é primoroso também ao “dissecar” a relação do patriarca com seus filhos. O ódio do filho artista Julián que escapa da gramática construída por Federico. O filho mais velho, Ramón, escolhe seguir os passos do pai. É tocante a conversa na qual o homem maduro expõe seu vazio e frustração ao pai. Um olhar jurídico e/ou empresarial quiçá atestariam que o processo sucessório foi bem-sucedido. O livro nos interpela a pensar: será?
Selecionamos um trecho da obra que ilustra esse diálogo entre Federico e Ramón:
– Mas seja o que for, a verdade é que me ando a sentir muito mal ultimamente… A certa altura fui, como bem sabes, o mais bem colocado de todos os meus amigos de Económicas. Mas o tempo foi passando e passando e agora sinto-me sem aliciantes, prisioneiro da monotonia.
– Monotonia? – perguntou Mayol sem poder dissimular a sua crescente incomodidade.
– Sim, monotomia. Aborrecimento. Aborrecimento pelo cargo que herdei de ti. Desculpa, mas é a pura verdade. Vejo-me num gabinete que tem as dimensões de uma cela. E entretanto eles, os meus amigos, demonstram, dia-a-dia, o seu tardio mas real valor. Conquistaram tudo a pulso, não como eu. Para cúmulo, Alejandra deixou de ser jovem e burra, e agora é apenas velha e burra. E estou farto, profundamente farto, mais farto da grande burra que do gabinete.
Que Ramón se sentisse meio envergonhado de dirigir os Seguros Mayol era de todo inadmissível.
– A nossa companhia- disse Mayol muito ofendido, iniciando o discurso como se estivesse no Parlamento catalão- é das mais importantes do país e em breve, graças a mim, mas sobretudo graças a ti, que soubeste dar-lhe grande impulso, vai competir com rivais que antes nos pareciam de outra galáxia. Parece mentira que possas falar dessa maneira; é uma enorme idiotice. Gostava de saber que trabalho gostarias de ter. Acaso gostarias de ser nomeado subdiretor da divisão de auditoria de qualquer escritório miserável? Diz-me, responde-me, é disso que gostarias?
…
– Apesar de acabares de pôr em causa todos os meus anos de vida dedicados ao trabalho…
– Eu não fiz isso, por favor. Só disse que estou farto do gabinete, que estou farto de casa, que estou farto de tudo…
– Seja como for, não vou mudar de opinião a teu respeito; só me faltava isso… Continuo orgulhoso do meu filho mais velho.
Héctor Lisondo
O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).
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