A Família na Contemporaneidade apresenta novas feições. É comum a descrição de lugares geracionais marcados pela fluidez. Certa vez conversei com um membro de uma Família Empresária que me disse: “ Eu não sei exatamente em qual geração me situo na minha família. Tenho um irmão de 42 anos do primeiro casamento do meu pai. Eu tenho 28 anos e nasci no segundo casamento do meu pai. Tenho uma irmã bebezinha do terceiro casamento. Somos todos da geração de filhos do meu pai. Por outro lado, não poderíamos pertencer a gerações mais díspares entre si”.
Em 2013 a psicanalista Maria Rita Kehl foi convidada pelo fórum ” Fronteiras do Pensamento” para discorrer sobre a Família na atualidade. A sua exposição foi nomeada da seguinte forma: ” Em defesa da Família Tentacular”. Vale à pena refletir sobre o título.
Por um lado, apresenta a noção de que a família exige novas maneiras de ser descrita. A Família Contemporânea Ocidental é composta por múltiplas uniões e dissoluções afetivas; ” Madrastas” e ” Padrastros”; irmãos consanguíneos e não consanguíneos; Casamentos Homo afetivos. Nessa trajetória o modelo estável da Família nuclear implode para dar lugar à Família Tentacular. O conceito é inspirado na noção de um polvo e suas diversas ramificações.
Por outro lado, é interessante pensar o porquê Kehl escolhe grifar a defesa do fenômeno no título de sua discussão (” Em defesa da família tentacular” ) . Possivelmente ela o faça para conferir legitimidade e estatuto de pertinência para essa nova realidade. Recomendo muito a leitura na íntegra do seu texto. Faz-se necessário defender a Família Tentacular porque é comum a experiência de nela depositar a origem do mal-estar contemporâneo. A autora esmiúça a natureza dessa armadilha.
Não era menor o sofrimento oriundo do modelo anterior da dita ” tradicional” família nuclear marcada pelo pátrio poder. Era diferente, apenas. Ocorre que a vida como ela é no Contexto Contemporâneo corresponde a uma modalidade específica de sofrimento que se faz notar pelo desamparo. Em outras palavras, referências anteriores colapsaram e ainda é difícil saber ou criar o quê colocar no lugar…
A experiência de ser parte de uma Família Empresária na atualidade corresponde à paisagem pincelada por Kehl. É um contexto de Caos, de múltiplos atores, de inéditas situações ( ” minha mãe tem 65 anos e está namorando . Ela é dona da Empresa. Eu como filha posso exigir que ela faça um contrato com seu namorado para proteger o patrimônio que dela herdarei? Em que medida isso cabe? Entendo se ela pedisse isso para mim. Mas eu, como filha, acho estranho. Qual a minha autoridade em relação a ela? ) .
É instigante também pensar na dinâmica da autoridade nessas novas composições. Kehl é certeira ao mapear os efeitos de pessoas que exercem funções parentais ( seja na composição que for : casais heterossexuais; casais gays; pais solteiros; mães solteiras; etc.) incapazes de bancar um lugar de diferença e responsabilidade perante os filhos . É um quadro dramático em que a experiência de vir a ser no mundo é a de estar abandonado à própria sorte.
” …O que é insubstituível é um olhar de adulto sobre a criança, a um só tempo amoroso e responsável, desejante de que esta criança exista e seja feliz na medida do possível – mas não a qualquer preço. Insubstituível é o desejo do adulto que confere um lugar a este pequeno ser, concomitante com a responsabilidade que impõe os limites deste lugar. Isto é que é necessário para que a família contemporânea, com todos os seus tentáculos esquisitos, possa transmitir parâmetros éticos para as novas gerações…”
Em nossas intervenções em Empresas Familiares é sempre um recorte interessante observar o que se compreende acerca da Autoridade, como a mesma circula. Leis e limites delineiam a pedra angular que sustenta uma sadia Governança: ” Assumo a escolha de criar regras e combinados que organizem a nossa vida empresarial e societária. Convém respeitar esses códigos porque compreendo que esses limites são benéficos” . É por essa razão que frequentemente aponto o alcance reduzido de apenas terceirizar o feitio desses protocolos . Não basta que estejam redigidos para que se façam ” corpo e alma”. É necessário investir nos atores familiares apropriados dessa construção.
Articular a Família Tentacular com os desafios da Governança na atualidade é sem dúvida uma questão importante.
Já li certa vez sobre a família ” Patchwork”. Também gostei do termo. O texto de Kehl nos oferece um precioso alerta: o cuidado para compreendermos e acolhermos as Famílias Contemporâneas na sua tessitura própria. A atenção para não reeditarmos uma leitura perigosa porque nostálgica de um modelo anterior supostamente melhor. E ainda mais: a defesa do que essa família “colcha de retalhos” de variadas texturas, tecidos e estampas apresenta de fascinante.
Segue o link para o artigo da autora: https://www.fronteiras.com/artigos/maria-rita-kehl-em-defesa-da-familia-tentacular
Héctor Lisondo
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